DETECTANDO MENTIRAS - Entrevista com Sergio Senna

A mentira é parte essencial da prática delituosa, afinal, ninguém razoavelmente consciente se exporá às desvantagens punitivas que o cometimento de crimes tem...

A mentira é parte essencial da prática delituosa, afinal, ninguém razoavelmente consciente se exporá às desvantagens punitivas que o cometimento de crimes tem como consequência. É por isso que os policiais e demais operadores do sistema criminal devem estar atentos e desconfiados das afirmações de suspeitos, evitando cometer erros que podem ser trágicos.

Em todo o mundo, estudos e métodos para detectar mentiras são realizados, visando diminuir a margem de erro nas investigações policiais e judiciais. No Brasil, um dos principais especialistas no assunto é o doutor Sergio Senna, psicólogo que ministra cursos sobre linguagem corporal, e já treinou policiais em vários estados do país – inclusive a Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal brasileira. O Abordagem Policial entrevistou com exclusividade Sergio, que falou sobre as possibilidades na “detecção de mentiras”:
 
 
Abordagem: É possível descobrir que uma pessoa está mentindo com qual nível de certeza?
 
Sergio: Uma pessoa treinada pode atingir uma performance entre 80 a 90% de acertos na identificação da mentira. Esses dados constam em pesquisas científicas realizadas pelo Dr. Paul Ekman e outros norte-americanos. Entretanto, é importante ressaltar que, para atingir esse índice, o analista utiliza outras técnicas de investigação. A análise do comportamento não verbal serve para que ele oriente a sua atenção para o que o mentiroso está tentando ocultar.
 
Abordagem: Há pessoas com mais habilidades para mentir do que outras?
 
Sergio: Sim, mentir não é fácil. O mentiroso precisa inventar uma versão nova, misturar sua narrativa com algumas verdades, controlar suas emoções e lembrar de tudo que contou para não cair em contradição.
 
Em termos cognitivos, isso é um desafio para qualquer pessoa. No entanto, alguns seres humanos desenvolvem habilidades especiais nesse campo e apresentam as seguintes características que chamo de perfil do mentiroso profissional:
 
- São bons atores e o seu comportamento natural afasta suspeitas;
 
- Estão bem preparados para responder perguntas e são originais, o que permite a construção de versões razoáveis e capazes de enganar;
 
- Pensam rápido, então não demonstram a natural indecisão ou demora em responder;
 
- São eloquentes, portanto articulam bem o idioma falado;
 
- Têm boa memória, daí conseguem repetir as suas versões sem despertar suspeitas;
 
- Controlam bem as emoções (medo, culpa ou alegria), o que exige do analista do comportamento não verbal a observação de detalhes que farão a diferença.
 
Essas características de desenvolvidas ao longo da vida, sem dúvida, melhoram o desempenho de certos mentirosos.
 
Abordagem: Existe alguma forma de tornar mais evidentes os sinais de uma mentira?
 
Sergio: Sim, a aplicação das técnicas de observação do comportamento não verbal associadas com a realização de perguntas e o fornecimento de outros estímulos pode auxiliar um entrevistador a identificar os aspectos relacionados à mentira. É necessário lembrar que um mentiroso bem sucedido tentará: (1) misturar mentiras e verdades e (2) acrescentar elementos à sua versão com o objetivo de esgotar a capacidade dos meios de investigação, tornando-a complexa. O emprego das técnicas garante que a atenção do entrevistador esteja focada nos aspectos que interessam à investigação, não obstante as tentativas do mentiroso para dissimular os fatos.
 
Abordagem: No caso dos psicopatas, que não possuem sensibilidade e afetividade, os sinais de mentira são inexistentes?
 
Sergio: Sempre há algum indicador comportamental que pode indicar um mentiroso. No caso do transtorno de persolidade antisocial, conhecido popularmente como psicopatia, há severas alterações do funcionamento do Sistema Límbico, o que acarreta uma forma muito diferente dessas pessoas experimentarem suas emoções.
 
Equivocadamente, a psicopatia tem sido interpretada como “ausência total de emoções”. Nesse contexto, o psicopata desenvolve uma falta de empatia com as pessoas, transformando algumas delas em suas vítimas. Existem diversos tipos de psicopatas, poucos deles são assassinos e a maioria desenvolve um prazer em causar o sofrimento alheio, que constitui em elemento central para a compreensão dessa patologia.
 
É bom lembrar que outras habilidades são desenvolvidas pelos psicopatas para atingirem os seus objetivos, como (1) a simpatia simulada, (2) estratégias avançadas em comunicação e a (3) percepção das necessidades de suas vítimas. Nos psicopatas mais perigosos, essas habilidades são desenvolvidas ao extremo, como nos casos de Ted Bundy e Dennis Rader que, em um primeiro momento, conseguiram a adesão da comunidade em sua defesa por causa da concepção de que seriam totalmente incapazes de cometerem os crimes dos quais foram acusados. Mesmo assim, revendo os depoimentos desses criminosos, é possível identificar sinais da mentira.
 
Abordagem: De maneira geral, como as técnicas de detecção de mentira são utilizadas pelas justiças mundo afora?
 
Sergio: De forma geral, a análise do comportamento não verbal e outras técnicas como o polígrafo, por exemplo, são utilizadas como meios importantes na fase inquisitorial de forma a orientar a atenção dos investigadores e como meio de contraposição às tentativas do mentiroso de esgotar a capacidade investigativa. Com o emprego dessas técnicas, outros tipos de provas são produzidos a partir das informações que o mentiroso tentava esconder, o que robustece o conjunto probatório. Em raros casos (basicamente ocorre em países anglo-saxões), o polígrafo ou a análise do comportamento não verbal são aceitos como prova na fase judicial.
 
No entanto, mesmo no Brasil, cada vez mais os juízes estão se capacitando nesse tema de forma a perceberem melhor a mentira nos interrogatórios e processos que conduzem.
 
Abordagem: Para policiais que trabalham na rua, sob momentos de tensão, é seguro apontar evidências de uma mentira?
 
Sergio: Sim, pois o correto treinamento constitui-se no elemento que garantirá o emprego eficaz das técnicas em tais situações. É justamente no contexto de maior tensão que a utilização correta das técnicas pode fazer a grande diferença, pois permite ao policial focar a sua atenção nos indicadores que interessam, ajudando-o a decidir, à luz de sua experiência pregressa, sobre os encaminhamentos necessários como por exemplo quem deverá prestar depoimentos mais detalhados ou sobre qual assunto alguém deverá se delongar em sua narrativa.
 
 
 
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Fonte:
Abordagem Policial
http://abordagempolicial.com/2012/11/entrevista-detectando-mentiras-sergio-senna/#more-14234
publicada em: 08.11.2012

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