A escolha racional e o descrédito institucional como incentivador do crime

Com o índice de crimes violentos letais intencionais aumentando, a preocupação com o crescimento da violência homicida tem ampliado seu leque de entidades, que vem se...

Com o índice de crimes violentos letais intencionais aumentando, a preocupação com o crescimento da violência homicida tem ampliado seu leque de entidades, que vem se questionando sobre as políticas públicas de segurança efetivadas nos últimos anos no Rio Grande do Norte, pois não houve diferença positiva entre os primeiros três anos da Administração Ciarlini e este último e atual. As alternativas, como a criação da Divisão de Homicídios e aumento de efetivo nas polícias, encalham na praia como uma grande baleia que morre aos poucos a cada dia que passa, e leva consigo, centenas de vidas.

ARGUMENTOS

A cegueira da gestão pública continua não se dando conta que existe uma relação direta entre a impunidade e o crescimento da criminalidade, comumente medida pelos números de assassinatos, e o método-álibi do Estado se eximir de sua responsabilidade é colocando a culpa em outros “entes”, tenha ele ou não certa parcela de culpa, afinal a equação da criminalidade é bem conhecida pelos gestores públicos, pois se não há investimento em combater a impunidade, em vão será qualquer tentativa de apaziguar a sanha criminosa, já que sua proliferação advém da Teoria da Escolha Racional do indivíduo.

Sobre isso lembremos a lição de NÓBREGA JÚNIOR (2010) quando cita Gary Becker (1983) e ainda complementa:

Parte-se do pressuposto que os indivíduos são atores sociais que buscam maximizar o resultado de suas escolhas. Para a criminologia, caso haja ausência e/ou ineficácia das instituições coercitivas, os indivíduos buscarão agir conforme as oportunidades surgidas por essa ineficácia (BECKER, 1968). Dessa forma, a Teoria da Escolha Raciona é útil para explicar os motivos que levam indivíduos a cometerem homicídios. Se aquele que comete o homicídio não é preso, seria vantajoso cometer assassinatos, já que a polícia e o sistema de justiça malogram na inibição deste tipo de crime.

Não é incomum quando nossa polícia judiciária consegue elucidar um crime de homicídio, identificar no lastro da investigação produtiva uma série de outros crimes, dentre esses, inclusive, outros homicídios, o que nos remete à tese de que em razão da pouca investigação, da alta impunidade seletiva e do mercado da morte, já devemos ter vários serial killers na nossa demografia social potiguar.

Lembremos que a Teoria da Escolha Racional interpreta a tendência e a motivação de um determinado indivíduo ou grupo a agir de acordo com suas maiores possibilidades de sucesso. O grau de inclinação para o cometimento de algum delito ou mesmo uma pequena participação nele, varia de acordo com as chances de sair impune, e por isso que as instituições de combate ao crime não devem visar objetivamente somente o crime, mas sim o sistema “oportunidade-sucesso-repetição”, que deu ao indivíduo/grupo a chance de sucesso.

Potencializando o argumento já conferido à impunidade, a inabilidade em lidar com fatos reais tem levado a gestão de segurança pública a criar um cenário de embate e pura conflagração entre seus operadores e isso gera um desconforto na sociedade, nas instituições e até na imprensa que percebe o discurso dissociativo da realidade gritante. Um discurso errático em busca desesperadamente de algum sucesso para apresentar como produtividade advinda de novos métodos de gestão, que na verdade nada mais é do que a concentração de recursos técnicos e humanos sobre determinada situação que precisava de respostas urgentes.  Contribui para isso a qualidade de operadores da segurança, muitos com suas habilidades subutilizadas ou usadas de maneira equivocada.

Sem efetivo para agir, a morte institucional da Polícia Civil acontece um pouco por dia, e se agrava com crises provocadas por conflitos diversos. Diante disso, a repetição de casos de violência prossegue, são pessoas que relatam assaltos, arrombamentos, furtos, e outros, só não as mortes que presenciaram, pois o medo da retaliação do criminoso é grande e assegura o receio da população em colaborar, pois a confiança no trabalho da polícia investigativa é corroída pela ineficácia provocada pela falta de material humano e meios para trabalhar. E diante da baixa eficácia policial, NÓBREGA JÚNIOR (2010) afirma:

Percebe-se que a atuação das instituições coercitivas se apresenta como fator significante na redução da violência, sobretudo dos homicídios. Os dados apontam para uma associação relevante entre baixa eficácia dessas instituições com os altos índices da violência homicida.

O controle da criminalidade então, parte do pressuposto de que deve haver um resgate da credibilidade das instituições coercitivas, não pelo emprego violento da força, que somente gera mais violência, mas pela habilidade em lidar com situações de crise. Uma sociedade em crise não deve receber respostas duras e sem substância daqueles que são responsáveis por sua segurança, e nesse contexto, lembremo-nos de que recrudescer sem condições aumenta o descrédito e fortalece a inclinação do indivíduo para o comportamento desviante, que deixa de respeitar até os operadores de segurança, que pelo menos deveriam ter isso a seu favor.

Sem dúvida que a impunidade também pode ser causada pelas próprias instituições que visam combate-la, desde que recrudesçam certas ações que não cessam a criminalidade, apenas a inibem temporariamente. Por isso que certas ações devem ser consideradas como uma outra variável causal para a elevação do índice de mortes violentas letais intencionais. Essa afirmação já era incorporada pelos conceitos abordados por NORTH (1990) que questionava e respondia ao mesmo tempo:

Qual seria então a lógica dos assassinos? Num campo aberto para a prática delituosa é mais vantajoso cometer o homicídio, pois dificilmente a polícia chegará a prender o assassino, valendo a teoria na qual as instituições moldam as ações dos indivíduos.

E da forma paliativa e de aparência como o crime vem sendo combatido no Rio Grande do Norte, os assassinatos persistirão e sua constância aumentará incentivada pela impunidade e aparente desentendimento e mesmo divórcio entre administração, gestores e operadores de segurança. Esses crimes continuarão sem solução e a impunidade dos criminosos aumentará os crimes ocultos, as subnotificações e o medo.

ENCAMINHAMENTOS

Não olvidemos de que, durante a Copa do Mundo, trabalhando num arremedo de integração foi possível se minimizar a profusão de atos ilícitos em Natal durante os 13 dias de Copa. Não se conseguiu também aplacar a profusão de assassinatos porque nunca se pensou no planejamento da pátria de chuteiras como necessário. Era mais fácil querer confundir a sociedade com notícias de que a redução de certa violência no Corredor da Copa também teria alcançado os Crimes Violentos Letais Intencionais, dentre esses, os homicídios, as lesões corporais seguida de morte e os latrocínios. Ledo e leviano engano.

Por uma simples questão de escolha racional e diante do descrédito institucional da polícia, os criminosos tornam-se mais audazes criando uma nova dinâmica nos assassinatos, antes cometidos mais veladamente, passando a ser executados diante de dezenas de pessoas, nas vias públicas e em toda sorte de lugares, onde a presença da força coercitiva policial não tem capacidade de combate, e se o tem, a certeza de sair impune dá a perfeita motivação para matar e continuar matando. Longe das mortes cotidianamente refletirem tentativas criminosas de limpeza social, o extermínio nos dias que correm organizado em parcerias público-privadas, visam maximizar os lucros de grupos econômicos que encontraram no crime homicida, outra forma de assegurar a alta rentabilidade promovida pela exploração da miséria humana no entorno da falta de perspectiva de vida e da dependência química como beco sem saída, vereda mais fácil para os desesperados de toda sorte ou azar.

O discurso modernizador tem que romper barreiras, reconhecer méritos, dialogar, construir soluções coletivas conjuntamente com a sociedade. Improvisar e querer acertar sozinho é um comportamento de soberba que os aproxima da ante sala da derrota.

Não nos se esqueçamos de que o Estado ainda não criou o Conselho Estadual de Segurança Pública nos moldes do Conselho Nacional de Segurança Pública conforme estabelecido na I Conferência Estadual de Segurança Pública, mas faz movimentos de aproximação comunitária repetindo um movimento demagógico que desmoralizou até o nome de polícia comunitária no RN; não divulga os dados da real violência que tem condições de fazê-lo e só não o faz porque teme de que a verdade real dos fatos desmoralize discursos envoltos em bravatas ora elegantes ora ameaçadoras; não criou a Divisão de Homicídios, optando por  reforçar a DEHOM e começando no afastar de sérios profissionais que ali labutavam com denodo, compromisso com a sociedade e sem condições de trabalho, reinaugurando a prática da meritocracia invertida.

Na verdade, a soberba é tamanha que mesmo na hora de recompor minimamente a massa salarial de policiais civis, conseguiu-se inusitadamente com o aumento salarial desarmonizador fazer aumentar as tensões ao invés de amenizá-las, ficando longe a possibilidade de se aproveitar do conforto que um aumento salarial sempre enseja, para repactuar compromissos, ações, diretrizes e envolver a categoria para perseguir metas civilizatórias.

Ao invés de exercer a função pacificadora, fez-se a opção em satanizar os profissionais que lutam, os movimentos sociais, as pessoas com opinião e a imprensa.

Mais fácil seria reconhecer a terrível situação da Segurança Pública Potiguar e planejar o uso das nossas misérias de gestão, recursos técnicos e humanos para repactuação do funcionamento das nossas polícias que propiciassem uma pobreza digna para o povo potiguar.

RIO GRANDE DE TANTA MORTE E IGUAL SOBERBA.


Fonte: Ivenio Hermes

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