Polícia Militar afastou 21% do efetivo em 2020 por questões de saúde

Conforme dados obtidos pela Tribuna do Norte, 1.614 policiais saíram das ruas para tratamento médico na Corporação; a maioria deles, acometidos por problemas psicológicos

Quatro a cada dez policiais militares do Rio Grande do Norte que procuraram a Junta Médica da instituição em 2020 apresentaram queixas relacionadas à saúde mental. De acordo com levantamento feito a pedido da TRIBUNA DO NORTE pela Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN), a Junta Médica da Corporação fez 3.558 atendimentos no ano – dos quais cerca de 1.420 dirigidos aos problemas neurológicos e comportamentais. Essas são os tipos de atendimentos mais comuns realizados na instituição.

Ao todo, somados aos demais problemas apresentados pelos militares à Junta Médica, a Corporação retirou 21,13% do efetivo de 2020 – cuja totalidade se aproximava dos 7,7 mil homens e mulheres – das ruas para tratamento médico. A maioria não voltou ao policiamento ostensivo, sendo realocados em funções administrativas internas.

Os atendimentos para tratar assuntos psicológicos superam os problemas ortopédicos, responsáveis por 1.170 atendimentos (33% do total). O restante dos atendimentos foram relacionados a problemas cardíacos (5%) e por diversos motivos (doenças crônicas, autoimunes, etc), que corresponderam a 22% do total.

Parte dos atendimentos acaba no afastamento do policial militar das atividades ostensivas (na rua). De acordo com a PM, 1.641 policiais foram afastados durante o ano passado. Cerca de 537 receberam alta completa e retornaram às ruas, e os outros 1.104 foram realocados em serviços administrativos.

Segundo policiais militares ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE em condição de anonimato, a ausência de condições adequadas de trabalho e o aumento da criminalidade nos últimos anos, aliadas ao envelhecimento do efetivo da PM, foram os principais fatores que contribuíram para o aumento do índice de problemas de saúde físicos e psicológicos. Os problemas relacionados à saúde mental dos policiais também estão ligados à própria natureza do trabalho ostensivo.

Historicamente, a saúde mental dos policiais é um problema recorrente na Corporação. Um levantamento feito pela Polícia Militar em 2018 identificou um crescimento de 12 pontos percentuais em quatro anos no volume de militares afastados por problemas psicológicos, de 45% do total de afastados por razões médicas em 2014 para 57% do total.

No ano passado, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que pelo menos 91 policiais militares do Brasil cometeram suicídio em 2019. O Anuário ressalva que os dados podem estar subnotificados. O Rio Grande do Norte não disponibilizou estatísticas, mas existem casos recentes de suicídios tanto na Polícia Militar como na Polícia Civil. Nesta semana, o assunto voltou à tona nos quartéis após o suicídio de um sargento.

“A Associação tem uma preocupação com o constante número de casos que vem acontecendo e a gente presencia. São problemas principalmente mentais. Isso decorre muitas vezes do alto índice de violência nas ruas e do estresse vivido dentro da própria natureza da instituição. A farda por si só tem um auto-empoderamento desses policiais. Ele acaba não dividindo angústias com família e isso se torna um gatilho para várias questões, inclusive o suicídio", disse a subtenente Márcia Carvalho, presidente da Associação de Subtenentes e Sargentos da Policia Militar.

Preconceito com tratamento na Corporação é evidente

A Polícia Militar oferece o serviço psicológico, mas poucos policiais o frequentam. A psicoterapia ainda é um tabu dentro da Corporação por ser vista como “coisa de louco" e a própria imagem do policial como um herói dificulta a aceitação de angústias que podem ser enxergadas como fraqueza. “O policial militar é muito fechado e sente um receio, quase medo, de ir para a terapia", comentou um dos policiais ouvidos pela reportagem.

A consequência é um alto número de profissionais que se tornam alcoólatras e que desenvolvem síndromes mais graves. “Muitos acabam procurando um psiquiatra quando estão em uma situação mais grave, mas psicólogo é mais raro", complementou o policial militar ouvido sob a garantia de preservação da identidade.

A presidente da Associação de Subtenentes e Sargentos da PMRN, Márcia Carvalho, afirmou que a própria instituição não encara o problema com mais atenção e que muitos policiais militares não sabem dos serviços ofertados. “Se fala que o policial militar é o maior patrimônio, mas muitas vezes se esquece de olhar com mais atenção para as questões de saúde mental. Existe um serviço, mas que é pouco divulgado", lamentou.

Sem psiquiatra

A assessoria de comunicação da Polícia Militar afirmou que o serviço de psicoterapia é conhecido pela tropa. A Corporação não possui atendimento psiquiátrico, mas pretende realizar um concurso em breve para a contratação desses profissionais. Os diagnósticos são feitos por psiquiatras particulares, procurados pelos policiais, e levados à Junta Médica da instituição.

Os afastamentos por razões médicas acontecem, na maioria dos casos, com a realocação dos policiais militares para funções administrativas. A realocação pode ser temporária ou permanente, depende de cada caso particular. Os casos mais extremos – como a esquizofrenia – levam às reformas e à perda do porte de arma.

Efetivo terá 1.421 novos policiais

Ainda neste ano, o Rio Grande do Norte contará com mais 299 soldados incorporados à Polícia Militar (PMRN). Desses, 201 são mulheres. Elas e eles se somarão aos outros 1.022 soldados formados e nomeados pela governadora Fátima Bezerra no final do ano passado, reforçando o efetivo da PMRN.

Em ato realizado no Comando Geral da Polícia Militar em dezembro do ano passado, em Natal, foi assinada a Portaria que nomeou 1.022 soldados que passaram reforçar o efetivo da Corporação a partir das Eleições Municipais. Mesmo em meio à pandemia, o Governo do Estado adaptou o Curso de Formação e formou a turma, composta basicamente por homens.

A nomeação dos novos soldados foi assinada pela governadora Fátima Bezerra (PT), ao lado do comandante-geral da PMRN, Cel. Alarico Azevedo, secretários de Estado e outras autoridades. “Hoje estamos aqui para dizer, que depois de 15 anos, a Polícia Militar do RN vai renovar os seus quadros nomeando mil novos soldados" disse a governadora ao saudar os novos policiais.

O Curso de Formação findado no último bimestre do ano passado precisou passar por uma série de adequações em virtude da pandemia do novo coronavírus. Com aulas iniciadas em janeiro, a capacitação precisou ser suspensa e aulas a distância chegaram a ser ministradas, mas com a retomada gradual das atividades em todos os segmentos, o curso também voltou às aulas presenciais em meados de julho.

“Estaremos reforçando o policiamento no Estado em todas as cidades, em todas as zonas, fazendo com que cada um exerça o seu poder de voto. Nossos novos policiais estarão atuando na sua primeira missão", destacou o Cel. Alarico Azevedo, comandante da PMRN, sobre os novos policiais militares.


Fonte: Tribuna do Norte

Outras Notícias