Luciano Ramos
Procurador-Geral do Ministério Público de Contas/RN; Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC)
A dinâmica de sistemas caóticos impressiona até mesmo quem já se acostumou a olhá-los diariamente. As pessoas e suas ações interagem de uma maneira tal, que, o menor ruído é capaz de causar grande estrago, em uma sucessão em cascata avassaladora.
Ao pensar alto sobre isto, imediatamente me vem à mente o filme Efeito Borboleta e sua demonstração do encadeamento de ações, partindo de um simples bater de asas de uma borboleta na América do Sul, até as relações de causa e efeito decorrentes deste ato banal acarretarem uma tempestade no Japão.
Mas não precisamos ir tão longe, com tanta abstração, para entender o quanto a ausência de uma mínima ordem estabelecida pode gerar efeitos catastróficos a partir de intempéries cotidianas, que seriam facilmente resolvidas se a desordem não fosse generalizada.
E em matéria de caos, notadamente nas contas públicas, o Rio Grande do Norte dos últimos anos é um peculiar caso a ser estudado, a começar pelo fato de estar há anos em inércia estacionária no limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para despesas com pessoal, sem que tenha havido maiores ajustes para adequar a relação preocupante entre receitas e despesas.
Ao revés, leis com aumentos vão sendo aprovadas com pouco ou nenhum critério, ao sabor da pressão caótica do momento. E vai-se mais uma benesse a impactar na folha de pagamentos, que de há muito já não cabe no PIB do Rio Grande do Norte.
Mas a lógica é: “farinha pouca, meu pirão primeiro!”. E, mais uma vez, adia-se a perspectiva de sair do limite prudencial e de evitar os entraves que a lei impõe toda vez que ele é ultrapassado. Sem perspectiva de sair do caos, passa-se a conviver com ele e seus efeitos cada dia mais agigantados.
E esta semana trouxe mais um exemplo concreto para o Ministério Público de Contas, com os efeitos já sentidos e em perspectiva deste estado de coisas. Em virtude da nossa duradoura e até aqui inquebrantável relação com o limite prudencial da LRF, há três anos não há progressão na carreira da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, com postos-chave sendo esvaziados porque os profissionais aptos da corporação não podem preencher os degraus subsequentes de sua hierarquia, barrados pelo gargalo financeiro ao qual insistimos em permanecer presos.
À evidência, os efeitos deste fato vão muito além dos valores mensais que deixam de ser gastos com as progressões não realizadas – embora isto seja uma ilusão, pois a fatura chegará na forma de indenização, mais dia ou menos dia. Claramente, esta circunstância não está dissociada de todos os dissabores que a população tem vivido em decorrência da insegurança pública atual.
Se não é causa única de tantos crimes e de seu crescimento alarmante, diante do caos generalizado da atual gestão pública, ainda assim, é plenamente possível estabelecer uma sucessão de fatos desde estas negativas de promoção até os arrastões e homicídios em patamares jamais vistos – basta ter ciência de que já há dificuldade para preencher até o posto de graduado responsável por uma viatura em atendimento a uma ocorrência.
Reconhecida esta correlação de fatos, com efeitos imediatos e outros mais distantes, a solução do problema não pode passar por uma intervenção pontual, como uma nova interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal, à luz das peculiaridades da hierarquia militar, tal qual nova consulta formulada ao Tribunal de Contas do Estado e ainda pendente de resposta, recém chegada no Ministério Público de Contas para análise.
Os problemas de um sistema caótico só são resolvidos com soluções amplas, em que as diversas variáveis são atacadas. Do abstrato ao concreto, sem buscar e enfrentar as origens do inchaço da folha de pagamentos, reinterpretar a LRF a cada problema novo gestado no caos, nada mais será do que o bater de asas de uma borboleta: quase nada, mas que pode gerar efeitos incalculáveis.